02 fevereiro 2011

Cine Trash #1: Manos: The Hands of Fate


Sou fã de cinema trash. Na verdade sou mais que fã, para mim é tão prazeroso assistir à um clássico de Hitchcock quanto à um (por que não) clássico de Ed. Wood. O cinema trash é divertido, descompromissado, sincero e na maioria das vezes resultado do esforço mutuo de artistas que não possuem a devida infra-estrutura para a realização de uma obra cinematográfica.
Começo hoje uma série de postagens sobre este gênero de cinema, o nome para esta coluna “Cine Trash” é uma singela homenagem ao programa de mesmo nome apresentado na Bandeirantes por José Mojica Marins nos anos 90. Creio que foi este programa que despertou em mim o amor pela sétima arte.

Para diretores criativos e talentosos, a falta de recursos não é um obstáculo tão grande a ser superado. É o caso de diretores como David Lynch e seu “Eraserhead” que custou a bagatela de 20 mil dólares, ou de Robert Rodriguez com seu divertidíssimo “El Mariachi”, que custou (pasmem) 7 mil dólares. Mas e quando alguém sem qualquer conhecimento técnico e experiência cinematográfica tenta gravar um grande filme com poucos recursos, pois este é o caso do filme que estréia a nossa coluna semanal, este filme é “Manos: Hands of fate” (Mãos: Mãos do destino!?), filme este que posso afirmar sem sombra de duvidas que é a coisa mais grotesca e amadora já lançada no cinema mundial, e também uma das mais divertidas.

Na verdade é um prazer escrever sobre esta maravilha cinematográfica, fico excitado só em saber que terei de assistir ao filme novamente, 74 minutos de pura diversão!

O inicio:

Hal Warren, um vendedor de fertilizante da cidade de El Passo (Texas), decidiu que seria capaz de dirigir um filme de baixo orçamento que revolucionaria o cinema de terror da época. O bem sucedido roteirista Stirling Silliphant, sabendo que a experiência de Warren se resumia a uma figuração em um seriado de TV, apostou que o vendedor de esterco não conseguiria produzir um filme bem sucedido. Warren comprou a aposta, aposta esta que futuramente daria a origem a Manos, uma obra prima do cinema Trash.

Produção:

Hal Warren conseguiu juntar 19 mil dólares, dinheiro esse que não era o suficiente para pagar por um elenco profissional ou equipamento de qualidade, mas não seria este pequeno infortúnio que faria o nosso diretor desistir. Warren contratou alguns atores de uma companhia de teatro de El Passo (que não possuíam qualquer experiência cinematográfica) e um punhado de mulheres de uma agencia de modelos, prometendo parte dos lucros da produção como pagamento.

Para a filmagem, Warren utilizaria uma única câmera Bell e Howard de 16mm, câmera essa que conseguia filmar apenas 32 segundos consecutivamente, o que exigiria uma grande quantidade de cortes em cada cena, mas como poderia isso representar um problema para o nosso genial diretor/roteirista/editor? Ah... E a mesma Bell e Howard também era incapaz de captar áudio, o que não seria nenhum problema já que os atores poderiam dublar o filme posteriormente, melhor ainda, apenas três pessoas dublariam todos os personagens do filme, entre eles é claro o nosso genial Vendedor de esterco/roteirista/diretor/editor/ator/dublador Harold P Warren.

O filme:
O filme começa mostrando uma família em férias, o pai Michael (interpretado pelo próprio Warren) a mãe Margaret (Diane Mahree) a filha Debbie (Jackey Neyman) e o cachorro da menina “Peppy” (o melhor ator do filme!).

Já nesta cena inicial é possível para o espectador perceber o que vem por ai, enquadramentos sem qualquer sentido, um imenso “espaço” entre os diálogos, e as atuações esdrúxulas já estão presentes somente no pequeno take em que a família está parada com o carro no meio de uma estrada texana.

O take inicial é seguido por uma gigantesca cena com a família “passeando” com o carro. Leia-se por gigantesca uma cena de quase 4 minutos onde NADA acontece. Dizem que a intenção do diretor era introduzir os créditos iniciais nesta cena, mas por algum motivo desconhecido Warren não o fez, fazendo com que uma cena se estendesse demais sem qualquer propósito, ao melhor estilo Glauber Rocha de fazer cinema (mereço um tiro pela comparação, eu sei). Destaque também para a trilha sonora que é o plano de fundo dos inexistentes créditos iniciais, uma música insuportavelmente insossa que se repete durante toda a película.

Em meio a estas cenas, aparece pela primeira vez o casal de namorados (Bernie Rosenblum e Joyce Molleur), que protagoniza uma trama “paralela” que não se encaixa de maneira nenhuma no enredo do filme. A verdade é que Warren havia contratado Joyce Molleur para o papel de Margaret, mas a atriz quebrou a perna antes da filmagem, então para não desperdiçar a atriz, nosso diretor inventou a trama do casal de namorados que passam o filme INTEIRO bebendo e se beijando dentro de um carro e de vez em quando são repreendidos por uma dupla de policiais locais.

Os mesmos policiais em dado momento param a família de Michael, onde temos uma das cenas mais divertidas do filme onde o policial (dublado por Warren) e Michael (também dublado por Warren) conversam algum tempo, uma cena onde basicamente ouvimos Warren falar com ele mesmo sem fazer qualquer esforço para mudar o tom de voz, simplesmente hilário!

A família finalmente encontra, parado em frente a uma casa, o esdrúxulo Torgo (John Reynolds), um homem com pernas tortas (que eram para parecerem pernas de bodes) e juntas volumosas, sem qualquer coordenação motora e cheio de problemas de fala e tiques nervosos. Torgo recebe o casal com a clássica fala: “I am Torgo. I take care of the place while the master is away” (Eu sou Torgo, eu cuido do lugar quando o mestre está fora).
Michael, que fala sempre em um tom muito mal educado, pergunta a Torgo sobre uma saída, este revela que “não há saída daquele lugar”. Michael pergunta se poderiam então passar a noite ali, Torgo diz que não, pois “o mestre não aprovaria”, mas o sensato pai de família insiste incansavelmente em permanecer no local e ainda obriga o pobre Torgo a carregar suas malas para dentro da casa, quando este cede. Dentro da casa a família se impressiona com uma “horripilante” pintura que retrata o Mestre (Tom Neyman) e seu dobermann negro de olhos penetrantes (sarcasmo).

O casal está tão distraído com o quadro que nem percebe quando Peppy sai da casa seguindo alguns estranhos uivos que vêm do lado de fora, o cãozinho começa a latir e para subitamente, Michael sai a sua procura e descobre que Peppy está morto, provavelmente vitima do sinistro dobermann do mestre.
Em função do acontecido, o casal consente que a atitude mais segura é deixar o local(nãããão?), Michael então obriga o pobre Torgo a levar as malas de volta para o carro.

O carro insiste em não funcionar e Michael tenta conserta-lo, deixando sua sobressaltada esposa sozinha com Torgo dentro da casa. Não demora para Torgo “corteja-la”, dizendo que não era justo o mestre querer Margaret, pois ele já tinha muitas esposas. Margaret assustada começa a implorar por socorro, naquela que deve ser uma das piores atuações da história, mas Michael não pode escutá-la. Torgo promete deixar Margaret em paz e ela promete não contar o ocorrido a Michael.

De volta a casa, Michael explica que o carro não funciona, sem ter como chamar por ajuda, a família decide ficar. O pobre Torgo é obrigado a carregar as malas de volta para a casa. O casal novamente volta a analisar o quadro e ficam tão distraídos que Debby foge da casa. Michael chama Torgo, e o obriga a procurar pela menina. Eles levam meia hora procurando em uma casa que consiste de uma sala, uma cozinha e um quarto.
Depois de tanto procurar, eles chegam a brilhante conclusão que ela deve ter saído.
O casal encontra Debby do lado de fora da casa, a menina tem ao seu lado o mesmo sinistro dobermann retratado na pintura do interior da casa. O cachorro foge e a menina se abraça em seus pais chorando, eles perguntam onde Debby encontrou o cão e pedem para ela leva-los até lá.
Enquanto isso, Torgo é visto no interior de uma Tumba onde um homem e algumas mulheres parecem dormir em uma espécie de transe. Torgo começa a xingar seu mestre, dizendo que ele não precisa de tantas esposas. O caseiro começa a Bolinar uma das esposas do mestre, não fazendo nada demais é claro. Depois de satisfeito, Torgo retorna a casa para dormir.

A família encontra a tumba e foge desesperada, esta cena dura uns 2 segundos se o espectador piscar perde. Michael resolve ir atrás de Torgo para questionar sobre a tumba. Margaret fica em um dos quartos da casa à pedido de seu marido, enquanto ele mesmo vai procurar Torgo para pedir explicações. Ele é atacado pelo descoordenado caseiro que o nocauteia, e o amarra em uma arvore.
Na tumba, o mestre desperta e inicia o ritual de adoração à manos, que parece ser uma espécie de divindade para ele, se inicia também o processo do despertar das esposas. Se em algum momento existiu uma tentativa de construir um clima de tensão no interior da tumba, este clima é completamente destruído quando as esposas do mestre são mostradas em uma roda discutindo o que fazer com os recém chegados. Elas ficam literalmente gritando e fofocando. A aura de poder e mistério construída ao redor do mestre também é destruída, afinal não só Torgo, como também algumas mulheres começam a desobedecer suas ordens quando ele ordena a execução da família. O conflito de opiniões entre as mulheres acarreta em uma briga ridícula² e gigantesca³.
O mestre agora irá tirar satisfações com Torgo, Michael acordará e sairá a procura de sua esposa e filha, e uma das esposas do mestre lutará, literalmente, para salvar pelo menos a criança. Irá o mestre perdoar Torgo? Conseguirá Michael escapar com sua família? Conseguirá você passar 5 minutos sem cair na gargalhada? A resposta você só terá se assistir Manos: The Hands of Fate.

Caindo no ostracismo:

O filme foi lançando em novembro de 1966 em El Passo. Devido a divulgação, o filme atraiu o interesse da mídia e de cidadãos da alta classe texana. Warren alugou uma única limusine para levar todo o elenco a estréia, a limusine levou um grupo, deu a volta no quarteirão e apanhou outro grupo. Bernie Rosenblum conta no documentário “Hotel Torgo” que não demorou para as pessoas começarem a rir e tirar sarro do filme, fazendo com que o elenco saísse de fininho. O filme foi um fracasso, e como os atores seriam pagos com parte dos lucros da bilheteria, todos saíram de mãos abanando.
Após o fracasso de Manos Warren voltou a vender esterco e tentou arrecadar fundos para uma continuação que se chamaria “Wild desert Bikers”, mas infelizmente, com ênfase no infelizmente, ninguém se arriscou a financiar a produção.

Mistery Science Theater 3000:

Segundo a wikipédia, Mystery Science Theater 3000, geralmente abreviado como MST3K, é uma série de televisão cult de comédia criada por Joel Hogson, que mostra um homem e dois robôs presos em um satélite no espaço que são forçados a assistir filmes ruins.
Manos foi apresentado no ultimo episódio da quarta temporada, trazendo o filme aos olhos do grande público concedendo-lhe o status de “cult”.
Opinião:

Como já disse, adoro assistir “Manos”, acho o filme divertidíssimo. É impressionante que com tantas pessoas levando o projeto a sério o filme tenha ficado tão tosco, é uma das maiores demonstrações de incompetência coletiva da história. É inevitável atribuir parte da culpa à falta de infra-estrutura, mas os grandes problemas da produção decorrem da incompetência, falta de imaginação e conhecimento técnico de seus realizadores. Se alguém tivesse se arriscado a financiar Wild Desert Bikers, posso afirmar sem medo que Warren seria considerado o pior cineasta de todos os tempos.

Se você não é muito fã de cinema Trash passe longe! Mas se este não for o caso, convide alguns amigos, consiga um estoque de cerveja e salgadinhos, e aproveite esta hilária bagaça. Só não continuei com minha descrição do filme até o final para incitar o leitor a assistir ao filme e tirar suas próprias conclusões.
Ps: Prometo uma futura “parte 2” com a minha lista de “melhores piores cenas de Manos” e farei o possível para encontrar legendas para o episódio do “Mistery Science Theater 3000”.

Titulo original: Manos: The Hands os Fate


Ano de lançamento: 1966
País: EUA
Direção: Harold P. Warren
Roteiro: Harold P. Warren
Produção: Harold P. Warren


Luiz Gustavo Kiesow

1 comentários:

Luiz Santiago (Plano Crítico) disse...

KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK

Eu comecei o texto rindo e terminei rindo. Matou a pau, rapaz! Adorei o texto sobre essa estrumosa pérola do cine trash. Adoro isso. E é bem como você disse no final: amigos, cerveja, salgadinho. Vi esse filme num ciclo trash que organizei aqui no condomínio onde moro. Nesse dia, sabe-se lá por quê, umas tiazinhas resolveram participar (o cartaz na porta dizia bem claro CINECLUB DO LULU: FILMES TRASH). Só lembro de no meio da sessão ouvir uns cochichos do meu lado: "Meu Deus, querida, isso é horrível! O que é isso mesmo?". Hahahahahahaha

Quando você disse que ia postar esse filme, comecei a rir, lembrando das velhinhas.

Mal posso esperar a parte 2. E VIVA O PIOR DO CINEMA!!!

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